Dark, da Netflix, é o novo Lost
Dark, da Netflix, é o novo Lost
A segunda temporada de Dark chegou na Netflix no último final de semana, 21 de junho, e desde então as redes sociais e o YouTube estão cheios de teorias, comentários e pessoas surtando com a incrível história das viagens no tempo da pequena Winden. Sem tirar qualquer mérito da série alemã, eu e muitos que viveram os anos 2000 no mundo das séries já vimos esse filme antes: ele durou 6 anos, passava na TV americana e mal tinham youtubers pra comentar, nós passávamos horas em blogs e comunidades do Orkut falando de Lost, que independente de você ter gostado ou não do final, deve reconhecer que foi um dos maiores fenômenos televisivos da história. Afinal, como Dark mostra, um futuro não existe sem um passado e digo com tranquilidade que Dark não existiria sem Lost.
As semelhanças com a ilha maluca onde as pessoas também viajavam no tempo são muitas, e pensei em tratar de algumas por aqui. Inegavelmente, Dark também traz elementos de Twin Peaks e Fringe, mas vou me focar apenas em Lost. E obviamente, o texto está lotado de SPOILERS tanto de Lost quanto da segunda temporada de Dark.
Viagens no tempo e paradoxos temporais
É bem claro que Dark é mais uma agulha no palheiro entre diversas séries, filmes e delícias da cultura pop que tratam de viagem no tempo. Porém, o modo como a série alemã o faz segue os mesmos princípios de Lost (ao menos no que vimos até aqui): o que aconteceu, aconteceu (se você é fã de Lost leu isso na voz do Daniel Faraday). As inúmeras tentativas dos habitantes de Winden de mudarem algo que já ocorreu, impedirem alguém de cometer suicídio, por exemplo, são ações que causam exatamente aquilo que querem impedir. Lembram do Jack jogando a bomba Jughead na construção da escotilha? Pois bem, aquilo era o incidente que tanto falavam nos vídeos da Dharma, algo que chamou a atenção do Miles, personagem que constantemente representava o público em meio a série. A cena remete ao momento da segunda temporada de Dark onde o jovem Jonas (já com cicatriz no pescoço) tenta convencer seu pai a não se matar, quando Michael nem havia pensado nisso, o que consequentemente, o fez tirar a própria vida para que tudo seguisse conforme sempre aconteceu e seu filho, Jonas, continuasse vivo.
A luta do bem contra o mal
Em Lost você era do time Jacob ou do time Homem de Preto? Sem dúvida você já deu razão para ambos e também discordou de ações de ambos. Pois bem, o mesmo acontece com Cláudia e Adam. Em quem confiar? A cada reviravolta você passa a acreditar em um ao invés do outro. Assim como em Lost, acredito que não existam mocinhos e vilões, ambos possuem suas próprias motivações a depender da época e dos acontecimentos. Dessa maneira, resta sabermos quem em Dark será o Jack Shephard ou o Hugo Reyes que prevalecerá e mudará alguma coisa. Um ponto em que Dark é excelente, assim como Lost já o fez, é provocar reflexões no telespectador sobre nossas próprias vidas. Dark vem nos fazer pensar sobre quem nós somos em diferentes fases da vida (e quando um personagem encontra sua própria versão de outra época são exemplos perfeitos). Quais princípios nossos são alterados com o passar dos anos, quais motivações nos levam a ser quem somos, nos levam a mudanças?
A disputa pelo poder: cavernas
O final de Lost entregou nos últimos momentos sobre o que era a Ilha: uma caverna com uma luz brilhante, capaz de dar vida ou tirá-la, algo como uma fonte de vida e poder para o mundo todo, algo capaz de deter forças do mal, ou como você queira interpretar. Dark vem para acertar em vários pontos onde Lost errou e um deles foi mostrar, desde o início, que as viagens no tempo são possíveis a partir da caverna. Ainda que essa história esteja um tanto nebulosa, além de estar alinhada a usina nuclear (mais alguém lembrando da Iniciativa Dharma?), o controle sobre as viagens no tempo ou até sobre o tempo em si são o foco das disputas em Winden, assim como Ben Linus, Charles Widmore e a própria Dharma queriam o controle da Ilha.
Um adendo sobre personagens e disputas: depois da segunda temporada de Dark, vi o Noah como o próprio Ben Linus. Um homem que sempre foi manipulado, a serviço de personagens mais relevantes na briga pelo poder (Jacob, Homem de Preto x Adam, Cláudia), que perde uma filha (Charlotte não morreu como a Alex, mas foi tirada dele), se revolta e muda de lado. Para Ben, as coisas até que não terminaram tão mal, para Noah, apesar de já termos visto sua morte, imagino que sua história ainda trará novidades. E claro, no início da história, tínhamos ambos como os vilões, que depois descobrimos serem apenas peões, mas não menos interessantes e intrigantes!
Realidades paralelas
Esse ponto é o maior diferencial entre as duas obras, apesar de que sobre Dark ainda temos pouquíssimas informações de como vão tratar essa temática. Como se quebra um loop temporal? A solução de um multiverso já está manjada por muitos e é vista constantemente na cultura pop. Porém, em Lost, ela foi tratada de um modo diferente: não existia de fato um multiverso e a realidade paralela foi um “disfarce”, digamos, para falar sobre o pós-vida, uma saída que eu duvido que será a mesma de Dark. Sem deixar as filosofias de lado, Dark parece seguir mais a linha tratada por Fringe, onde o Jonas, assim como Peter Bishop, será o diferencial entre os dois mundos. A conferir.
Por fim, o mundo real
Lost foi um marco na cultura pop em uma época onde não havia ainda tanta disseminação de redes sociais, canais no Youtube e afins. Blogs e até revistas eram os refúgios de fãs no mundo todo. Além disso, o formato daquela época, onde as séries se passavam na TV em apenas 1 episódio por semana, com cerca de 20 a 24 episódios por temporada, tornavam as discussões e a própria degustação da série mais longas. Havia ainda o fator da audiência, que ditava o ritmo da série, se seria renovada ou cancelada, o que afetou muito o andamento da história. Algumas temporadas melhores, outras mais fracas com mais enrolação, um final que dividiu o público.
Dark, bebendo da fonte de Lost, tem alguns pontos a seu favor: o formato da Netflix permite criar algo bem mais conciso e planejado, o que torna a história mais cativante para a maioria do público. Não tem audiência para se preocupar. A história foi escrita para ter 3 temporadas (igual ao planejamento inicial de Lost) e assim será (Lost acabou tendo o dobro). Porém, Dark perde em não ter esse espaço maior para discussão entre episódios (todo mundo maratona e comenta a temporada como um todo, não por episódio) e tem uma concorrência muito maior, dentro do próprio catálogo da Netflix (Lost reinou absoluta por um bom tempo, competindo um pouco com 24 Horas e, no seu final, com Breaking Bad).
O tempo é mesmo implacável. O mesmo fenômeno vivido na década de 2000 com Lost se repete com Dark, mas em contextos diferentes. Eu, velha que sou, ainda fico com Lost, escrevendo em um blog. Sigo ansiosa pela terceira e última temporada de Dark, a estrear em 2020. Então veremos se o ciclo continua ou se será quebrado.
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